Cristina Leon Vera | 23/09/2025
Este artigo explora como a descarbonização e o uso de hidrogênio verde podem transformar a indústria siderúrgica, os benefícios e desafios associados, e a gestão de riscos em sua implementação.
A indústria siderúrgica é uma das principais responsáveis pelas emissões globais de dióxido de carbono (CO₂), contribuindo para aproximadamente 8% das emissões totais de gases de efeito estufa. Este setor é vital para a economia global, já que o aço é um material essencial na construção, infraestrutura, transporte e manufatura. No entanto, a dependência do carvão como fonte de energia e como agente redutor nos processos de produção de aço apresenta desafios significativos no contexto do combate à mudança climática.
A descarbonização da indústria siderúrgica é uma prioridade para cumprir os objetivos climáticos globais, como os estabelecidos no Acordo de Paris de 2015. Neste contexto, o hidrogênio verde apresenta-se como uma solução promissora, oferecendo uma alternativa limpa e sustentável para substituir os combustíveis fósseis na produção de aço.
A indústria siderúrgica e seus desafios ambientais
A siderurgia enfrenta vários desafios em sua transição para a sustentabilidade. Por um lado, a demanda de aço continua crescendo devido ao desenvolvimento global, o que dificulta uma redução imediata das emissões. Por outro lado, a dependência de tecnologias maduras e a infraestrutura existente limitam a adoção de alternativas limpas. No entanto, a pressão para descarbonizar o setor é cada vez maior, impulsionada por regulamentações governamentais, expectativas dos consumidores e compromissos corporativos com a sustentabilidade.
A produção de aço tradicional baseia-se em processos intensivos em carbono, como o uso de altos fornos que empregam carvão de coque para reduzir o minério de ferro e transformá-lo em aço. Este método gera grandes quantidades de CO₂, sendo um dos processos mais poluentes da indústria.
O processo de obtenção de aço em fornos de arco elétrico (EAF) acarreta um menor impacto ambiental: o processo parte principalmente de sucata reciclada, o que reduz as emissões de CO2. As emissões de CO2 por tonelada de aço produzido são de 0.4 t. Pelo contrário, estima-se que o processo de produção em altos fornos emite cerca de 1,8 toneladas de CO2 por tonelada de aço produzida.
Descarbonização: conceito e estratégias
A descarbonização implica a redução progressiva das emissões de CO₂ nos processos industriais, substituindo combustíveis fósseis por fontes de energia renovável e tecnologias limpas. Na indústria siderúrgica, as estratégias de descarbonização incluem:
- Eficiência energética: Melhorar os processos para consumir menos energia por tonelada de aço produzido.
- Captura e armazenamento de carbono (CCS): Pegar o CO₂ gerado nos processos e armazená-lo em formações geológicas seguras.
- Economia circular: A sucata de aço é infinitamente reciclável sem perda de qualidade, o que o torna um material ideal para uma economia circular.
- Substituição de combustíveis fósseis: Adotar tecnologias que utilizem eletricidade renovável ou alternativas como o hidrogênio verde.
Além de potencializar a produção de aço a partir de sucata reciclada por fornos elétricos, impulsionada pela necessidade de reduzir emissões de CO₂, outra das soluções passa por substituir os combustíveis fósseis por hidrogênio na redução direta do minério de ferro (DRI). Este método converte o mineral de ferro em ferro metálico sem a necessidade de altos fornos, liberando vapor de água em vez de CO₂.
Diferentemente do hidrogênio cinza (produção tradicional por reforma de gás natural) ou o hidrogênio azul (que inclui captura de carbono), o hidrogênio verde não gera emissões em sua produção: o hidrogênio verde é produzido mediante a eletrólise da água, utilizando eletricidade proveniente de fontes renováveis como a solar ou a eólica.
A transição dos altos fornos para tecnologias como a redução direta (DRI) e os fornos elétricos (EAF) representa um avanço para uma produção de aço mais sustentável. No entanto, esta transformação implica uma forte dependência do preço da eletricidade, que atualmente é elevado e dificulta a adoção generalizada desses processos.
Um exemplo destacado do uso de hidrogênio verde na produção de aço é o projeto Hybrit na Suécia, que conseguiu reduzir as emissões de CO2 em 90% em relação ao processo tradicional. Além da Suécia, outros países, como a Alemanha e o Japão, também estão desenvolvendo iniciativas similares para integrar o hidrogênio verde em seus processos siderúrgicos.
Também, a indústria do aço está avançando rapidamente em direção à adaptação de fornos que tradicionalmente funcionam com gás natural para que possam operar com hidrogênio, como parte da transição energética e a descarbonização do setor. Implementando queimadores de hidrogênio em fornos de aquecimento foi possível melhorar a eficiência energética e reduzir significativamente as emissões.
Gestão de riscos derivados do uso de hidrogênio na indústria siderúrgica
Embora seja verdade que em outras indústrias como Oil & Gas, o uso de hidrogênio no processo está amplamente estabelecido há muitos anos, sua implementação na indústria siderúrgica implica um risco adicional que devem ser gerenciados adequadamente.
Os principais riscos derivados do emprego de hidrogênio são o incêndio, explosões e asfixia, ocasionados pelas propriedades físicas (alta inflamabilidade e baixa energia de ignição). Deve-se prestar atenção especial aos riscos associados com vazamentos, acumulações em espaços confinados e reatividade com outros materiais. Portanto, é crucial considerar os riscos associados ao armazenamento a alta pressão, à detecção e à compatibilidade dos materiais, já que:
- O hidrogênio é altamente inflamável e pode formar misturas explosivas com o ar.
- É necessário desenvolver sistemas avançados de armazenamento e transporte que minimizem o risco de vazamentos.
- O hidrogênio é incolor e inodoro, o que dificulta sua detecção, podendo passar despercebido até que se acumula em quantidades perigosas.
- A integração do hidrogênio nos processos siderúrgicos requer ajustes técnicos significativos nas plantas existentes.
- Requer treinamento do pessoal para lidar com este novo combustível de forma segura e eficiente.
- O hidrogênio pode causar fragilidade em certos metais(embrittlement), afetando a integridade estrutural de equipamentos e tubulações.
A gestão de riscos na indústria do hidrogênio implica uma combinação de medidas técnicas, procedimentos operacionais e capacitação do pessoal para garantir a segurança das operações e a proteção dos trabalhadores e do meio ambiente:
- Detecção precoce de vazamentos por meio de sistemas de detecção sensíveis e confiáveis.
- Ventilação adequada em áreas onde o hidrogênio é manipulado para prevenir acumulações perigosas.
- Eliminar ou minimizar as fontes de ignição, como faíscas, chamas e calor.
- Instalar sistemas de parada de emergência para interromper rapidamente o fluxo de hidrogênio em caso de vazamento ou emergência.
- Formação e capacitação do pessoal sobre os perigos do hidrogênio e os procedimentos de segurança.
- Projeto e manutenção de instalações com características de segurança intrínsecas, como a seleção adequada de materiais e a implementação de sistemas de ventilação e contenção.
- Avaliação de riscos de maneira periódica para identificar e mitigar perigos potenciais.
Benefícios e desafios: perspectivas futuras
O hidrogênio verde tem múltiplas vantagens:
- Sustentabilidade: Sua produção e uso não geram emissões de carbono.
- Versatilidade: Pode ser usado em processos industriais, transporte e armazenamento de energia.
- Disponibilidade: Aproveita recursos renováveis, o que o torna potencialmente ilimitado.
Apesar das oportunidades oferecidas pelo hidrogênio verde, sua adoção enfrenta vários desafios:
- Custos de produção elevados devido à infraestrutura de energias renováveis e tecnologia de eletrolise. O alto custo do hidrogênio verde em comparação com o hidrogênio cinza, o hidrogênio azul ou o carvão é atualmente a principal barreira para sua implementação em grande escala. Atualmente, o hidrogênio cinza é consideravelmente mais barato que o verde, com custos que rondam 1-2 €/kg, em comparação com os 4-8 €/kg do verde.
- A infraestrutura necessária para sua produção, transporte e armazenamento ainda está em fase de desenvolvimento. São necessários importantes investimentos para ampliar as redes de distribuição, para aumentar a capacidade de geração de energias renováveis (solar e eólica) e para a criação de plantas de eletrólise.
- A gestão de riscos, o desenvolvimento de infraestrutura e os incentivos financeiros para incentivar os investimentos em hidrogênio verde são outros fatores fundamentais para garantir uma transição bem-sucedida.
No entanto, as perspectivas são promissoras. O avanço em tecnologias de eletrólise e a queda dos custos de energia renovável estão tornando o hidrogênio verde cada vez mais competitivo. Além disso, as políticas governamentais e as regulamentações ambientais estão incentivando seu uso em setores industriais. Atualmente, o hidrogênio cinza é mais barato, mas espera-se que o hidrogênio verde se torne a opção mais rentável a longo prazo devido à queda dos custos tecnológicos, ao incentivo às energias limpas e à economia de escala.
Autor do texto:
Engenheiro de Riscos Na MAPFRE Global Risks
