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Hidrogênio: seu papel no futuro do transporte

Quando, em outubro de 2020, foi publicado, na Espanha, o Roteiro do Hidrogênio, o artigo dedicado ao seu uso na mobilidade e no transporte destacava que a tecnologia que o apoiava está totalmente desenvolvida. Como explica Javier Brey, presidente da Associação Espanhola do Hidrogênio, os desafios da sua integração definitiva na sociedade e na economia dependem de aspectos contextuais, e da criação de um meio favorável para o estabelecimento dos veículos conduzidos por células de combustível de hidrogênio (Fuel Cell, FC).

 

Acaba de completar um ano da aprovação do ‘Roteiro do Hidrogênio’, um plano de atuação institucional para impulsionar o hidrogênio como vetor energético, e na Associação Espanhola, presidida por Javier Brey, todos continuam apostando na Espanha como referência internacional do mercado. Embora nos últimos meses tenham sido dados vários passos no setor industrial, nesta ocasião nos concentramos em analisar seu potencial e crescimento na mobilidade e no transporte. “Só há duas possibilidades de veículo de emissões zero: elétricos e a hidrogênio”, afirma Brey. Por isso, em plena transição energética, o hidrogênio terá um papel fundamental no futuro do setor.

 

Como funciona um veículo a hidrogênio?

 

Como explica Javier Brey, “há vários métodos de produção de hidrogênio, mas o de maior destaque no aspecto de uma atividade limpa é a eletrólise: aplicando energia elétrica a água quebra-se a molécula H2O em oxigênio e hidrogênio. É um processo sem emissões nocivas”. Este procedimento é reversível, e ocorre de maneira precisa em “um dispositivo eletroquímico; um conjunto de placas no qual o hidrogênio é combinado ao oxigênio do ar para formar eletricidade e o único resíduo produzido é água”. Esse dispositivo seria a célula de combustível de hidrogênio (FC), onde é revertido o processo realizado pelos eletrolisadores. Isto significa que, como indicado no ‘Roteiro do Hidrogênio’, utiliza-se o hidrogênio produzido a partir de fontes renováveis para gerar eletricidade, que produz energia para movimentar os veículos elétricos de células de combustível (FCEV, na abreviação em inglês).

 

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O objetivo da Espanha é ter 150 postos de serviço em 2030. Em relação à Europa, o plano é que tenha um posto a cada 150 quilômetros, e as estratégias de implantação já estão em andamento.

“Este dispositivo, que se chama célula de combustível é o coração de muitos sistemas de transporte que atualmente movem-se com hidrogênio. Isto é, o carro de hidrogênio não tem um motor térmico, mas elétrico, e portanto, não emite ruído nem CO2”, afirma Brey. Embora as vantagens sustentáveis sejam compartilhadas com as dos veículos elétricos, os carros a hidrogênio mantêm duas características práticas dos carros movidos a gasolina: um tempo de reabastecimento muito curto -não mais de cinco minutos- e uma autonomia ampla -de mais de 700 quilômetros-. “Isso torna muito simples ter um caminhão, um ônibus ou um trem funcionando com hidrogênio. Não tem o problema de ocupar muito espaço com as baterias ou de que elas pesam muito, ou de demorar para reabastecer. Elas são recarregáveis no mesmo tempo que as convencionais e têm uma autonomia comparável. Essa é a vantagem do hidrogênio. Existem marcas como Toyota, Honda e Hyundai que comercializam esses veículos nas concessionárias. Ou seja, já podem ser comprados. Qual é, então, sua limitação? Não é, como estou dizendo, a tecnológica. É que no nosso país falta, principalmente, infraestrutura. Se não há postos de serviço onde se possa reabastecer, ninguém vai comprar um carro a hidrogênio”, explica Brey.

Para que o hidrogênio seja uma possibilidade real como combustível no futuro, é necessário constituir uma infraestrutura de recarregamento, e este é o principal desafio das instituições. “O objetivo da Espanha é ter 150 postos de serviço em 2030. Em relação à Europa, o plano é que tenha um posto a cada 150 quilômetros, e as estratégias de implantação já estão em andamento”. Ainda que a mudança de paradigma na mobilidade possa parecer complexa, a evolução para um sistema de hidrogênio pode ser simples, já que esses fornecedores podem conviver sem problema com outras tecnologias, fazendo a transição simples. “De fato, em outras regiões que já contam com postos de serviço de hidrogênio como, por exemplo, a Califórnia, os postos estão localizados junto aos convencionais. O hidrogênio é compatível com qualquer combustível, não tem nenhum problema”, destaca Javier Brey.

 

Um progresso sem pausas

Embora a tecnologia do hidrogênio seja classificada como inovação, como revela a Associação Espanhola do Hidrogênio, o primeiro veículo “foi desenvolvido, testado e patenteado em 1807”. Isto é, falamos de centenas de anos de estudo e desenvolvimento, e não só no transporte por estrada. No caso dos trens, “já há empresas que utilizam como solução comercial”, e existe um importante nicho de desenvolvimento, especialmente nos Estados Unidos, no qual se propõe como alternativa para as linhas ferroviárias que não são eletrificadas. Com respeito aos barcos, atualmente o emprego de células de combustível limita-se a projetos em pequenos navios (quanto mais pesado é o veículo, mais difícil é a implantação de uma célula de bateria), mas espera-se sua análise de viabilidade em grandes embarcações. Na Espanha, destaca-se a iniciativa H2Ports, dedicada ao desenvolvimento de um projeto piloto localizado no Porto de Valência para incorporar o hidrogênio nas operações logísticas portuárias, que recebeu financiamento da Fuel Cells and Hydrogen Joint Undertaking (FCHJU).

No caso da aviação, semelhante ao setor naval, só foram desenvolvidos projetos demonstrativos em voos não comerciais, mas as células de combustível serão, segundo os especialistas e as intenções institucionais, um meio de propulsão para aeronaves e para o maquinário empregado nos aeroportos e terminais de carga.

Quando perguntamos ao presidente da Associação Espanhola do Hidrogênio sobre as vantagens desta nova economia do transporte, ele nos responde com uma palavra: sustentabilidade. “Em muitas perspectivas. Primeiro, o meio ambiente. O hidrogênio pode ser produzido a partir de fontes de energia renováveis e ao utilizá-lo não há nenhum tipo de emissão. Segundo, da perspectiva das cidades, pois vai contribuir para limpar a atmosfera e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. E, por fim, a sustentabilidade econômica. Não teremos que importar gás natural ou petróleo, já que poderemos produzir localmente um hidrogênio renovável, que além do mais nos dará segurança de fornecimento. Não vamos depender de outros países e poderemos criar riqueza local”, garante.

Desafios e implementação

O futuro do hidrogênio passa, como insiste Brey, pela integração de uma rede de reabastecimento, e seu incrível potencial faz que muitas empresas tenham se interessado por essas implantações iniciais. “Haverá financiamento de diversos tipos para a instalação destes primeiros postos de serviço de hidrogênio, do mesmo modo em que há, atualmente, para a instalação de pontos de recarga para veículos elétricos”, garante Brey, que também ressalta à normativa como impulsora do setor. “À medida que vai se tornando obrigatório o uso de veículos de emissões zero, a aquisição de um veículo a hidrogênio será mais interessante e, portanto, também será mais interessante a implantação de um posto de serviço de hidrogênio”. Como um canal para o progresso, a Associação Espanhola do Hidrogênio aposta que os projetos de demonstração, de transporte pesado e de frotas cativas terão um papel muito importante. “Suponhamos que os primeiros projetos a serem desenvolvidos sejam projetos que têm uma frota designada. Por exemplo, uma determinada empresa dedicada à distribuição, e que decide que dez de seus caminhões trabalhem com hidrogênio e posicione um fornecedor de hidrogênio em suas instalações que também atenda ao público”, afirma Brey. A normalização do uso desses veículos será paralela à sua visibilidade, da mesma forma que aconteceu nos últimos anos com os carros elétricos. “Achamos que temos uma oportunidade muito boa na Espanha com a economia do hidrogênio e estamos certos de que podemos aproveitar à medida que formos incorporando infraestrutura e, também, os primeiros veículos”.

O otimismo da Associação baseia-se no fato incontestável do crescente interesse, tanto da sociedade como do setor empresarial. “A Associação Espanhola do Hidrogênio dobrou o número de associados. No último ano, as buscas no Google pela palavra ‘hidrogênio’ foram seis vezes maior. Não há nenhuma empresa espanhola agora que não esteja considerando como utilizar o hidrogênio. No nosso país foram apresentados mais de 1.000 projetos. Ou seja, pouco a pouco as empresas começam a entender que o hidrogênio é a ferramenta ideal para a descarbonização, e ver esse elemento como um combustível muito flexível que pode substituir qualquer outro”. Embora deva acrescentar que a esta empreitada avançada de divulgação deverá ser acompanhada por um processo intensivo de formação. “No ‘Roteiro do Hidrogênio’, publicado há apenas um ano, já se falava da necessária formação em todos os níveis. Bem, já existem os primeiros mestrados para profissionais que queiram complementar sua formação em hidrogênio. No nosso país já são oferecidos desde centros educativos até matérias de pós-graduação específicas. E se quisermos que, no ano 2030, as metas previstas pelo setor sejam cumpridas, precisamos continuar trabalhando nisso”, conclui Brey.

Colaborou neste artigo…

Javier Brey é engenheiro formado pela Universidade de Sevilha e Doutor pela Universidade Pablo de Olavide, em Sevilha. Escreveu sua tese de doutorado sobre Economia do Hidrogênio.

Em 1998, iniciou sua trajetória profissional no âmbito do hidrogênio e das células de combustível na empresa Abengoa. Em 2016, deixa a Abengoa para criar e dirigir a H2B2: uma empresa tecnológica voltada à produção limpa mediante eletrólise polimérica.

É presidente da Associação Espanhola do Hidrogênio (AeH2), vice-presidente da Associação Europeia do Hidrogênio (EHA), vice-presidente da Associação Espanhola de Células a Combustível (Asociación Española de Pilas de Combustible – Appice) e secretário da Plataforma Tecnológica Espanhola do Hidrogênio e das Células a Combustível (Plataforma Tecnológica Española del Hidrógeno y de las Pilas de Combustible – PTE HPC).

É professor associado da Universidade Loyola Andalucía, onde leciona sobre vantagens da Economia do Hidrogênio.

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