Cristina Leon Vera | 04/09/2025
A biotecnologia oferece um horizonte promissor diante de desafios globais como as mudanças climáticas, a segurança alimentar e as crises sanitárias. No entanto, seu imenso potencial também traz riscos, como o uso indevido ou impactos ambientais.
De forma geral, define-se como o uso de organismos vivos, células ou sistemas biológicos para desenvolver produtos e tecnologias que melhorem a vida humana. Embora suas origens remontem a práticas como a fermentação de alimentos, hoje está fortemente associada a áreas como química, genética e medicina. Sua evolução está transformando setores-chave da economia e da saúde.
Aplicações em destaque
Um dos âmbitos mais afetados pela biotecnologia é a agricultura. O desenvolvimento de variedades transgênicas ou modificadas geneticamente aumentam a resistência das lavouras a eventos climáticos extremos e pragas. A FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) reconhece sua valiosa contribuição na satisfação da crescente demanda alimentar e no fortalecimento da segurança alimentar global.
Ao mesmo tempo, soluções sustentáveis vêm sendo desenvolvidas. Microrganismos desenvolvidos em laboratório são utilizados para depurar águas contaminadas, capturar metais pesados e absorver gases de efeito estufa. Tecnologias como a biorremediação e a bioadsorção estão sendo aplicadas em diversos setores industriais. Por sua vez, a economia circular baseada em bioprodutos – como bioplásticos, biofertilizantes e biocombustíveis – está transformando os modelos de produção tradicionais.
No campo da saúde, a biotecnologia desempenhou um papel fundamental na resposta à pandemia de COVID-19, graças ao uso de tecnologias como o RNA mensageiro, que aceleraram o desenvolvimento de vacinas em escala global. As terapias gênicas, como as CAR-T e as baseadas em edição genética, estão revolucionando o tratamento de doenças raras e de certos tipos de câncer. Visando o futuro, avanços como a edição genética de nova geração (base editing, prime editing) e a biologia sintética aplicada ao desenvolvimento de fármacos oferecem um leque de possibilidades terapêuticas ainda mais precisas e seguras.
Riscos emergentes
O mesmo poder que cura, alimenta e descontamina pode ser usado de forma destrutiva. O conceito de tecnologia de duplo uso, no qual uma inovação pode ter tanto aplicações benéficas quanto perigosas, adquire uma relevância especial no campo da biotecnologia.
O acesso cada vez mais acessível a ferramentas de edição genética ou síntese de DNA traz o risco de que atores não estatais, grupos extremistas ou até mesmo indivíduos com conhecimentos técnicos possam recriar vírus ou bactérias patogênicas. Este panorama preocupa órgãos internacionais como a OTAN, que em seu relatório Science & Technology Trends 2020-2040, publicado em 2021, já advertia sobre o ressurgimento da ameaça bioterrorista, intensificada pelos avanços tecnológicos acelerados pela pandemia da COVID-19.
Da mesma forma, o projeto de organismos sintéticos, muitas vezes realizado com boas intenções, pode desencadear consequências imprevistas para os ecossistemas. Um organismo modificado liberado no meio ambiente poderia deslocar espécies nativas, alterar cadeias tróficas ou provocar efeitos genéticos indesejados. Neste sentido, a aplicação do princípio da precaução, apoiado pelo Protocolo de Cartagena sobre Segurança Biológica, procura mitigar esses riscos ao antecipar-se aos seus possíveis efeitos.
As preocupações não se limitam apenas à biossegurança. Também surgem perguntas sobre a privacidade genética, o uso de dados biomédicos, a propriedade intelectual dos organismos modificados ou o controle que grandes corporações poderiam exercer sobre tecnologias-chave em saúde e alimentação. Além disso, a crescente brecha biotecnológica entre países com e sem capacidade para desenvolver estas tecnologias representa um fator de potencial instabilidade geopolítica.
Governança à altura do seu potencial
Diante deste panorama ambivalente, a necessidade de uma governança global efetiva da biotecnologia torna-se indispensável. Embora existam acordos internacionais como a Convenção sobre Armas Biológicas (BWC) o, já mencionado, Protocolo de Cartagena, a velocidade da evolução tecnológica superou os quadros regulatórios existentes.
De acordo com o relatório Biotechnology Research in an Age of Terrorism, publicado pela Academia Nacional de Ciências dos EUA, é fundamental estabelecer sistemas de revisão ética e científica que permitam identificar pesquisas com riscos potenciais antes de serem publicadas ou financiadas. Também se propõe a capacitação dos pesquisadores em responsabilidade social, a criação de marcos normativos flexíveis e o fortalecimento da cooperação internacional para uma vigilância mais eficaz dos laboratórios.
Nessa mesma linha, a Comissão Bipartidária de Biossegurança dos EUA e o Parlamento Europeu têm instado ao reforço dos processos de avaliação de riscos, rastreabilidade e transparência, tanto no desenvolvimento de produtos biotecnológicos quanto em sua comercialização. Não se trata de frear a inovação, mas de garantir que seus benefícios não sejam manchados por um uso irresponsável ou perigoso.
Entre a esperança e a cautela
A biotecnologia não é intrinsecamente boa nem ruim. Seu impacto dependerá de como será utilizada, quem a controla e quais princípios orientam seu desenvolvimento. Pode se tornar uma grande aliada, mas também pode gerar novas incertezas se for aplicado sem os controles adequados.
A história demonstrou que toda revolução científica passa por uma fase de fascinação seguida de uma etapa de questionamento. Neste caso, ambos os momentos coexistem. Por isso, mais do que uma fé cega no progresso ou uma rejeição por mera precaução, o que se requer é uma vigilância constante, uma regulação eficaz e um firme compromisso ético por parte de todos os atores envolvidos.
