Cristina Leon Vera | 30/10/2025
Na natureza, cada forma, ligação e movimento têm um propósito, uma razão de ser. Em seu aparente caos, ela esconde o segredo da sobrevivência. A biomimética, ciência que se inspira na flora e na fauna, permite encontrar respostas eficientes na engenharia civil para enfrentar os desafios de resiliência e sustentabilidade das infraestruturas críticas.
Todos os organismos vivos que habitam a paisagem natural selvagem vêm há milhões de anos aperfeiçoando seu lugar no mundo, modificando sua estrutura ou seu entorno para se adaptar à passagem do tempo. Sua permanência é uma lição de resiliência. César Martín-Gómez, Doutor Arquiteto e especialista em biomimética, explica: “essa ciência, aplicada à engenharia civil, busca transformar os métodos de construção e melhorar a eficiência energética dos edifícios, inspirando-se justamente em princípios naturais”.
Resiliência e sustentabilidade
A biomimética impulsionou técnicas e tecnologias arquitetônicas que fomentam a otimização de recursos naturais e até a redução da pegada de carbono. Como indica o artigo Bio-logic, a review on the biomimetic application in architectural and structural design, publicado em 2022, sua influência alcançou disciplinas como a engenharia, a escolha de materiais ou o design digital de infraestruturas mais firmes.
Um dos êxitos obtidos neste campo é a compreensão dos princípios biológicos para influenciar diretamente a eficiência energética. “A engenharia adotou a termorregulação animal para sistemas HVAC (aquecimento, ventilação e ar condicionado). Por exemplo, simulamos como a regulação térmica do atum pode reduzir a demanda energética em edifícios de escritórios até 30%”, explica o especialista, que participou da pesquisa sobre este comportamento energético. Este peixe gera calor em seu corpo – nos músculos internos – e o distribui para o exterior. O estudo revelou que a mesma lógica pode ser aplicada para reduzir o aquecimento em escritórios, posicionando as áreas que mais geram calor – como salas com grande concentração de pessoas ou máquinas – no centro do edifício. Além disso, a biomimética também levou ao desenvolvimento de materiais inovadores, como superfícies autolimpantes, inspiradas no efeito lato, ou adesivos reversíveis, emulando as capacidades do gecko.
Casos paradigmáticos da biomimética aplicada
A engenharia já se beneficia da adoção de estratégias naturais que tornam as infraestruturas mais resilientes. Diversos exemplos em escala mundial mostram como a biomimética dá seus frutos em grandes projetos. “No Eastgate Centre no Zimbábue, aplicou-se um sistema de ventilação inspirado nas termitas, conseguindo uma economia de 90% nos custos de climatização”, assinala Martín-Gómez. Este edifício utiliza uma solução natural para regular a temperatura interior sem a necessidade de um sistema convencional de aquecimento e ar condicionado, demonstrando o potencial da biomimética para criar espaços mais sustentáveis.
Atualmente, também estão sendo explorados sistemas termoelétricos integrados em fachadas como alternativas às comuns bombas de calor, como os desenvolvidos pelo próprio Martín-Gómez e comprovados com sucesso na Antártida em 2018. Os painéis de refrigeração vertical estão inspirados nas orelhas do elefante. Como afirma o pesquisador, eles podem chegar a “dissipar entre 107 e 230 W/m², o que os converte em uma alternativa inovadora para edifícios de alta densidade”. Este tipo de soluções, além de eficientes, oferecem um enfoque mais sustentável e econômico do design.
Proteção contra ameaças naturais
A biomimética oferece soluções inovadoras para a proteção contra ameaças naturais, integrando princípios da própria natureza ao design de materiais e sistemas. Martín-Gómez aponta como exemplo os “materiais autocurativos que restauram automaticamente danos menores, os sistemas de alerta precoce inspirados em redes de comunicação animal ou as estruturas adaptativas que modificam seu comportamento diante de eventos extremos”. Uma área de pesquisa ativa neste campo é o desenvolvimento de sistemas termoelétricos integrados, que permitem que os edifícios mantenham condições habitáveis durante cortes de energia, o que é crucial para infraestruturas críticas durante desastres naturais.
Graças à biomimética, também foi possível desenvolver tecnologias de detecção precoce e resposta a emergências. As raízes das plantas, por exemplo, comunicam tensões mecânicas mediante sinais químicos, inspirando redes de sensores distribuídos para o monitoramento estrutural contínuo. E as colônias de formigas otimizam suas rotas de evacuação por feromonas, um comportamento que se aplica aos sistemas de sinalização de emergência. “Embora as aplicações diretas sejam limitadas, a pesquisa explora sensores bio-inspirados que detectam mudanças estruturais microscópicas e sistemas de comunicação distribuída para coordenação de resposta rápida”, assegura o professor.
Desafios e oportunidades de futuro
Apesar das múltiplas possibilidades oferecidas pela biomimética para a construção de cidades mais inteligentes e resilientes, existem várias limitações e desafios técnicos que ainda devem ser superados. “As técnicas de fabricação atuais não são capazes de replicar com precisão estruturas biológicas microscópicas, e a lacuna de complexidade entre sistemas naturais multifuncionais e aplicações engenheiras continua sendo significativa”, assegura o especialista.
No entanto, as oportunidades para a integração da biomimética nas cidades inteligentes são enormes. Espera-se que estas cidades integrem sistemas de autorregulação térmica, gestão hídrica inspirada em ecossistemas florestais e redes de comunicação distribuída baseadas nos sistemas nervosos naturais. Além disso, a convergência de tecnologias como a Internet das Coisas, a Inteligência Artificial e os princípios biológicos permitirá um avanço significativo na criação de infraestruturas adaptativas e sustentáveis. “A impressão 4D, por exemplo, abrirá o caminho para a construção de infraestruturas que evoluam com o tempo, adaptando-se automaticamente a novas necessidades e desafios”, conclui Martín-Gómez.
Sobre o especialista

César Martín-Gómez é doutor em Arquitetura pela Universidade de Navarra. Ao longo de sua carreira, colaborou em projetos relacionados a instalações e sistemas energéticos na I&S Ingenieros, no Centro Nacional de Energias Renováveis e no estúdio Mangado & Asociados.
Atualmente, combina a pesquisa com a docência como professor do Departamento de Construção, Instalações e Estruturas da Universidade de Navarra.



