Maior grau de automação e robotização significa menor sinistralidade? Vejamos. Vejamos.
A transformação digital e a automação de processos foram elementos-chave na modernização da indústria manufatureira. No entanto, seu impacto sobre a sinistralidade, entendida como os danos à propriedade, avarias de máquinas e perdas de negócio, foi menos explorado que o impacto na segurança no trabalho humano. Este artigo analisa a relação entre a automação e a sinistralidade técnica, baseando-se em literatura especializada, casos de estudo e alinhamentos de seguradoras industriais. Está previsto que, embora a robotização reduza certos tipos de sinistros, também introduz novos riscos que devem ser gerenciados mediante tecnologias complementares e novas estratégias de manutenção.
Desde meados da década de 2000, a automação industrial experimentou um crescimento significativo, impulsionado por avanços em tecnologias digitais, robótica, inteligência artificial e conectividade.
No contexto da chamada “Indústria 4.0”, a automação, robotização e digitalização tornaram-se pilares fundamentais para a competitividade industrial. As plantas modernas integram sistemas SCADA (Supervisory Control and Data Acquisition), robôs colaborativos, sensores inteligentes e manutenção preditiva para aumentar a eficiência produtiva. Embora os benefícios operacionais sejam evidentes, as implicações destas transformações sobre a sinistralidade técnica não receberam atenção suficiente na literatura nem nas práticas de gestão de riscos.
Este artigo propõe-se analisar a relação entre o grau de automação na indústria manufatureira e a frequência, gravidade e tipo de sinistros técnicos observados.
Automatizar implica substituir tarefas humanas repetitivas, perigosas ou altamente exigentes por sistemas mecatrônicos programáveis. A automação pode ser classificada em níveis crescentes de sofisticação, desde o uso de sensores básicos até sistemas ciberfísicos interconectados com inteligência artificial.
Os componentes típicos incluem:
- Robôs industriais e colaborativos
- Controladores lógicos programáveis
- Sistemas digitais para supervisão e controle
- Software para executar a manufatura da empresa
- Redes de comunicação informática
- Sensores e atuadores conectados
Estes elementos geram novas dependências tecnológicas que podem afetar a resiliência dos sistemas produtivos. Para efeitos deste estudo, entende-se sinistralidade técnica como a ocorrência de eventos que provocam:
- Danos materiais a infraestruturas e instalações.
- Quebras ou falhas em máquinas e equipamentos críticos.
- Interrupção do negócio com impacto econômico.
Vários estudos de seguradoras industriais (como FM Global, Allianz ou Zurich) mostram que a automação pode ter efeitos positivos sobre a redução de sinistros nos seguintes aspectos:
- Precisão e repetibilidade: Reduz erros que antes causavam colisões ou quebras por manipulação incorreta.
- Menor intervenção humana: Reduz o risco de danos causados pelo uso inadequado de máquinas ou desligamentos manuais.
- Monitoramento preditivo: Os sensores permitem detectar superaquecimento, vibrações ou vazamentos antes que causem falhas graves.
- Redundância e controle remoto: Melhora a capacidade de resposta a incidentes e permite isolar falhas antes que se agravem.
Empresas como Bosch, Siemens ou Nissan relataram melhorias na continuidade operacional e redução de avarias após implementar soluções de manutenção preditiva baseadas em IoT.
Não obstante, a mesma tecnologia introduz novos riscos:
- Falhas de software: Um erro de programação ou uma atualização mal implementada pode causar a parada completa de uma linha.
- Dependência de comunicações: A queda de uma rede industrial pode deixar inoperante todo um sistema.
- Ataques cibernéticos: As plantas conectadas são vulneráveis a ransomware ou sabotagens que afetam a produção
- Diagnóstico incorreto: Sensores com defeito podem gerar paradas desnecessárias ou deixar de detectar condições perigosas.
- Sobrecarga de manutenção especializada: Requer pessoal altamente qualificado, cuja ausência pode atrasar a recuperação após um incidente.
Estes fatores requerem uma estratégia de gestão de riscos adaptada à nova realidade técnica.
Vários relatórios de risco mostram que as plantas com alto grau de automação tendem a ter uma menor frequência de sinistros, mas uma maior severidade econômica quando ocorrem.
Um estudo da Swiss Re (2022) indica que as falhas em sistemas automatizados representam 28% do valor das indenizações industriais, contra apenas 15% em plantas não automatizadas. A explicação é que as falhas afetam sistemas mais integrados e de recuperação mais cara.
Em um caso analisado pela FM Global, uma linha de embalagem totalmente robotizada em uma planta alimentícia sofreu uma parada total devido a uma falha de firmware. O tempo de reinício foi de 9 dias, gerando perdas por interrupção do negócio superiores a 2 milhões de euros, apesar de não haver danos materiais significativos.
A chave para obter os benefícios da automação sem agravar a sinistralidade técnica está em uma gestão proativa do risco. Algumas recomendações incluem:
- Design redundante de sistemas críticos.
- Proteções elétricas e contra incêndios específicas para equipamentos eletrônicos.
- Segmentação de redes industriais para evitar a propagação de falhas.
- Auditorias de cibersegurança industrial.
- Capacitação contínua em manutenção preditiva e gestão de ativos.
- Integração de sistemas digitais de supervisão com software de análise de riscos.
A implementação de sistemas automatizados contribuiu para diminuir erros operacionais e melhorar a precisão nos processos, o que pode reduzir certos tipos de falhas e avarias.
A automação não é intrinsecamente arriscada, mas transforma a natureza dos riscos industriais. Enquanto reduz a probabilidade de erros operacionais e melhora a detecção precoce de falhas, também introduz novas vulnerabilidades relacionadas com software, integração, dependência tecnológica e cibersegurança.
Compreender esta nova configuração de riscos é essencial para criar estratégias de seguro e manutenção que mantenham sob controle a sinistralidade técnica. A colaboração entre engenheiros, seguradoras e responsáveis pela planta será fundamental para aproveitar os benefícios da modernização sem sacrificar a resiliência operacional.
Se arriscarmos uma conclusão para a hipótese, poderíamos dizer que, quanto maior o grau de automação, menor tende a ser a sinistralidade operacional causada por falhas humanas, mas aumentam os riscos técnicos e de interrupção caso não sejam bem gerenciados. É por isso que nosso papel como engenheiros de risco é extremamente importante na hora de avaliar o grau de automação da planta e trabalhar junto ao cliente na identificação e melhoria dos riscos que essa nova era apresenta.
