Cristina Leon Vera | 03/07/2025
Sob o lema “A Arte do Risco”, a AGERS realizou no último dia 26 de junho, no Círculo de Belas Artes, a 35ª edição de seu congresso anual. Um fórum que reuniu mais de 400 profissionais – entre gestores de riscos, seguradoras, resseguradoras, corretores e outros especialistas no campo dos grandes riscos e do seguro – para compartilhar reflexões, dados e estratégias em um contexto de constante transformação.
Perspectivas do mercado segurador e ressegurador: chaves para navegar na incerteza
Um dos momentos mais aguardados do Congresso foi o painel “Situação e Perspectivas do Mercado Segurador e Ressegurador”, apresentado por Bosco Francoy, CEO da MAPFRE Global Risks e Presidente do Conselho Consultivo da AGERS. Acompanhado dos principais responsáveis na Espanha das maiores corretoras globais – Iván Sainz de la Mora (WTW), Jacobo Hornedo (AON), Pablo Trueba (MARSH) e Salvador Marín (HOWDEN) – o debate, moderado por Ignacio del Corral, Global Head of Corporate Insurance do Grupo Santander e membro da Diretoria da AGERS, ofereceu uma visão estratégica sobre os desafios e oportunidades do setor.
A análise começou com uma constatação clara: o mercado se encontra em uma fase de abrandamento, com queda de 3% nas taxas no primeiro trimestre de 2025. Embora isso já não seja novidade, essa tendência não se deve à redução dos sinistros catastróficos – que, na verdade, aumentaram, mas sim a fatores como a melhoria dos resultados financeiros das seguradoras, menor dependência do resseguro, maior diversificação geográfica e o impacto positivo das altas taxas de juros em anos anteriores.
No entanto, como alertou Jacobo Hornedo, “não estamos em um ambiente normal”. Os ciclos de mercado estão ficando mais curtos e intensos, impulsionados por fenômenos como mudança climática, cibersegurança e o surgimento da inteligência artificial (IA), que estão redesenhando o mapa de riscos global.
Volatilidade como oportunidade
Longe de ver a volatilidade como ameaça, os palestrantes concordaram que ela representa uma oportunidade para inovar, fortalecer a cultura de riscos e posicionar o gerente de riscos como figura-chave na tomada de decisões estratégicas. “É o momento de impulsionar esse papel dentro das organizações”, afirmou Iván Sainz de la Mora, ressaltando a necessidade de dar visibilidade aos riscos não segurados e gerar valor a partir de uma perspectiva integral.
Salvador Marín reforçou essa ideia ao destacar que “os gerentes de riscos devem estar ao lado do CEO”, participando ativamente na definição de estratégias e na identificação de oportunidades de transferência de risco em um ambiente cada vez mais incerto.
Inteligência Artificial: eficiência, personalização e novos desafios
A IA foi outro dos temas centrais do debate. Os especialistas destacaram seu imenso potencial para transformar a relação com os clientes, otimizar processos, detectar fraudes e personalizar produtos. No entanto, também alertaram para os riscos associados: desde a transformação do trabalho – com 80% dos empregados potencialmente afetados – até os dilemas éticos, a cibersegurança e a necessidade de manter o pensamento crítico.
“A IA deve ser o melhor ator coadjuvante, mas o ser humano precisa continuar sendo o protagonista”, afirmou Pablo Trueba, em uma reflexão que resume o enfoque humanista que deve nortear a adoção tecnológica no setor.
Lacunas de cobertura e colaboração público-privada
Um dos dados mais reveladores do painel foi que apenas 25% das perdas causadas por catástrofes naturais estão seguradas, segundo dados da EIOPA. Diante dessa lacuna, os palestrantes destacaram o modelo espanhol como exemplo de sucesso, graças ao Consórcio de Compensação de Seguros e ao Agroseguro. Ainda assim, enfatizaram a necessidade de avançar na conscientização social e na colaboração internacional para preencher essas lacunas de cobertura.
O corretor do futuro: digital, estratégico e humano
O encerramento do painel focou na evolução do papel do corretor, que deve se transformar em um parceiro estratégico das empresas. A digitalização, a personalização do serviço, a qualidade dos dados e o talento serão os pilares dessa nova fase. “Este ainda é um negócio de pessoas”, lembrou Salvador Marín, destacando que a cultura organizacional e a profissionalização do setor serão essenciais para gerar confiança e oferecer valor real aos clientes.
Um olhar além do setor: a palestra de Vicente Vallés
O Congresso foi encerrado com uma palestra magistral do jornalista Vicente Vallés, que ofereceu uma visão geopolítica e midiática do cenário atual. Vallés alertou sobre o crescimento da desinformação e destacou a importância de checar as fontes para antecipar os acontecimentos. “A informação verdadeira é essencial, mas mais ainda é a capacidade de analisá-la com objetividade”, afirmou.
Durante sua fala, também abordou o impacto da inteligência artificial, destacando que essa revolução afetará primeiro os trabalhos intelectuais – e não os manuais, como ocorreu em revoluções anteriores. Além disso, chamou atenção para a incerteza econômica global, o papel da China como potência emergente e a perda de atratividade dos Estados Unidos como refúgio para investimentos.
Sua reflexão final, inspirada em Churchill, foi direta: “Um político se torna um estadista quando começa a pensar nas próximas gerações e não nas próximas eleições.” Uma frase que ressoa com força em um fórum como o da AGERS, onde o pensamento estratégico e a antecipação são essenciais para gerir os riscos do presente e do futuro.
