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Terras raras: tão essenciais quanto desconhecidas

Apesar de que nas últimas semanas chegaram à mídia por motivos geopolíticos, em verdade as terras raras são muito menos conhecidas do que realmente deveriam. Esse termo plural e generalista não responde à sua literalidade, já que em verdade nomeia um conjunto de 17 elementos químicos muito extensos e presentes em nosso dia a dia.

Um conflito comercial entre a China e os Estados Unidos transformou esse termo em alvo de debate nos meios de comunicação, apesar de que até agora era praticamente desconhecido fora dos setores especializados. A atualidade revelou sua relevância presente e futura. Mas o que realmente esconde? Denomina-se “terras raras” (TR) ao conjunto de 17 elementos químicos encontrados na crosta terrestre (quinze que conformam o grupo dos lantanídeos, junto ao ítrio e ao escândio, que são incluídos porque aparecem frequentemente misturados nas mesmas jazidas). Os lantanídeos são: o lantânio, cério, praseodímio, neodímio, promécio, samário, európio, gadolínio, térbio, disprósio, hólmio, érbio, túlio, itérbio e lutécio.

O principal valor desses elementos se encontra em suas excepcionais propriedades magnéticas, luminescentes e eletroquímicas, aproveitadas em diversos setores e presentes em objetos tão cotidianos quanto os fones de ouvido, sensores ou óculos de proteção. Com esses elementos são formados inúmeros minerais, mais de 180, e concretamente os lantanídeos, exceto o promécio, encontram-se como óxidos metálicos em 25 minerais. Dentre eles se destacam pelo uso e aproveitamento econômico a bastnasita, monazita, xenótimo, loparite, cerita e gadolinite. Apesar de que sua exploração industrial é realizada nos últimos cinquenta anos, começaram a ser isolados entre os séculos XVIII e XIX. “Por exemplo, o promécio, um dos mais escassos, é um elemento radioativo que só existe durante alguns minutos e que somente foi isolado em 1945, o lutécio metálico puro não foi refinado até 1953 e o ítrio foi descoberto em 1794”, explica Miguel Regueiro, presidente do Ilustre Colégio Oficial de Geólogos (ICOG).

A produção mundial desses óxidos é da ordem de 160 mil toneladas anuais e 95% procede da China que, contudo, possui somente cerca de 50% das reservas mundiais avaliadas entre 80 e 120 milhões de toneladas, suficientes para atender à demanda dos próximos 625 anos. Também estão sendo pesquisadas outras formas de exploração, como a derivada da presença nas crostas de manganês cobaltífero.

A produção mundial desses óxidos é da ordem de 160 mil toneladas anuais e 95% do total procede da China.

As jazidas comerciais atuais desses minerais estão associadas, principalmente, a quatro tipo de rochas:

1. Carbonatitos.  A prospecção dessas rochas ricas em carbonatos é realizada em jazidas como a de Baya Obo (Mongólia) ou Mountain Pass (Estados Unidos).

2. Ígneas alcalinas. Por exemplo, a jazida de sienitos nefelínicos de Lovozero, na Rússia.

3. Argilas lateríticas. Resultado da alteração das jazidas anteriores, exploradas especialmente no sudeste da China.

4. Os depósitos tipo prazer, como o das monazitas de Matamulas, em Ciudad Real (Espanha).

Embora ainda não tenham sido exploradas, a Espanha também conta com reservas de terras raras no território, mas as empresas produtoras não tiveram a oportunidade de iniciar sua atividade por causa de diferentes problemas e impedimentos contextuais, mesmo após a concessão da exploração. Para Miguel Regueiro, o potencial do nosso país é inegável, mas não estão sendo disponibilizados os meios e a intenção necessários para conhecer o alcance que pode ter. “Apenas foram pesquisados os recursos e seria ousado asseverar se possuímos reservas suficientes. No entanto, há indícios e até alguma jazida já avaliada, como a de Matamulas, em Ciudad Real, ou a de Monte Galiñeiro, em Pontevedra”, afirma.

Processo de prospecção e riscos

Começar uma exploração costuma incluir uma série de fases que podem se estender além dos 15 anos. O cronograma aproximado do desenvolvimento de projetos convencionais seria:

–          Exploração do recurso (4 a 6 anos)

–          Contexto, alcance e planta piloto (mínimo de 6 anos)

–          Financiamento (mínimo de 3 anos)

–          Implementação otimizada (1 ano)

O tratamento posterior dependerá do óxido das terras raras, apesar de ser comumente considerado um processo complexo. Durante todas essas fases, prévias ao uso industrial, certos riscos são enfrentados derivados da atividade. “Qualquer projeto de mineração produz afeitos no ambiente”, explica o especialista geólogo, “motivo pelo qual a legislação é muito restritiva no relativo ao impacto ambiental dos projetos e à obrigação de restaurar os terrenos afetados uma vez finalizada a exploração”. No entanto, Regueiro afirma que se esses projetos são realizados o cumprimento total da regulamentação vigente, seus afeitos são limitados e eventualmente compensados, e os terrenos devolvidos a sua situação inicial sem maiores problemas. “Muitas vezes, as áreas afetadas por explorações de mineração se transformam em zonas ambientalmente muito melhores do que antes de que acontecesse a exploração”, assevera. “Além disso, cada caso e processo envolve diferentes afeitos para o ambiente. Por exemplo, no único caso estudado na Espanha (a jazida de Matamulas), consistente em cascalhos com monazita, as alegações ambientais mais importantes são o consumo de água previsto e as possíveis alterações à fauna e à flora, razão pela qual o projeto não foi autorizado até hoje.”

No entanto, os riscos de tratamento são semelhantes aos de qualquer outra instalação industrial e, portanto, também devem cumprir condições frequentes.

Propriedades e aplicações

A configuração atômica das terras raras é a chave das propriedades físicas e químicas que têm utilidade na indústria: catalisadores, eletrônica, ímãs, óptica, vidro, cerâmica e metalurgia. Os elementos obtidos dos minerais são utilizados em inúmeras aplicações industriais.

“Por exemplo, o samário é empregado em potentes ímãs permanentes que permitem o desenvolvimento dos motores elétricos modernos; e o armazenado de dados informáticos, que cada vez é realizado em equipamentos menores e com maior capacidade, deve parte de seus avanços às extraordinárias propriedades magnéticas do itérbio e do térbio. E as fantásticas cores vermelhas das telas planas, que substituíram os velhos tubos de raios catódicos, têm muito a ver com o európio e o ítrio”, menciona o presidente do ICOG.

O neodímio é um elemento imprescindível na fabricação de carros elétricos e, portanto, chave no futuro da indústria automotiva.

Por sua vez, o neodímio é um dos elementos com maiores aplicações no mercado. Utiliza-se, por exemplo, no desenvolvimento de cristais reforçados a partir do corante dos esmaltes cerâmicos que conseguem otimizar a resistência, um avanço significativo na fabricação dos óculos de proteção utilizados pelos soldadores, já que absorve a luz âmbar da chama do arco elétrico.

Sua tonalidade também oferece delicadas cores para outro tipo de cristais, que são utilizadas em produtos tecnológicos básicos de setores como a astrofísica (usadas pelos os astrônomos na calibração dos espectrômetros e filtros de radiação infravermelha) ou na tecnologia, já que dão lugar a ímãs de grande intensidade de campo. Esses ímãs, econômicos e potentes, são de uso habitual na fabricação de fones de ouvido, alto-falantes, discos rígidos ou sensores.

Além desses casos concretos, as terras raras são empregadas em muitos outros setores, como nos processos de refino do petróleo, refrigeração, armazenamento de energia, vidros especializados, baterias nucleares ou tubos de raios X. Além disso, estão presentes em infinidade de objetos cotidianos como telefones, lâmpadas fluorescentes ou câmeras. Uma das indústrias que mais proveito tirou dos 17 elementos é a da automação, já que são imprescindíveis na fabricação de veículos elétricos. Os motores incorporam ímãs compostos por materiais como o disprósio, o gadolínio ou ainda o neodímio, e o cério faz parte de catalisadores e baterias híbridas.

Apesar de serem vendidos por quilos, e na atualidade seu preço varia de 1,7 dólares do cério a 730 para o térbio, são incluídos por gramas nos produtos. As imensas reservas e sua polivalência auguram um grande futuro para esses materiais, apesar de que Manuel Regueiro assegura que, mesmo a tendência marcando certos setores como aqueles que mais serão beneficiados com suas propriedades, não se deve ter como certo. “É difícil predizer”, adverte, “mas em função da evolução da descarbonização e da eletrificação do transporte mundial, os catalisadores, as baterias e turbinas eólicas serão, certamente, os setores com maior crescimento de utilização. Em qualquer caso, a chave está em suas extraordinárias propriedades físicas e químicas”.

Colaborou na elaboração desta matéria…

Manuel Regueiro y González-Barros é bacharel em Ciências Geológicas pela Universidade Complutense de Madri e possui um mestrado em Liderança e Direção Pública pela Universidade Internacional Menéndez Pelayo. Após 17 anos como especialista na área de rochas e minerais industriais do Instituto Geológico e Mineiro da Espanha, em 2005 obteve a vaga de chefe da área de relações externas e comunicação. Desde 1992 até 2013, ele foi professor associado do Departamento de Cristalografia e Mineralogia da UCM, onde agora é colaborador honorífico.

Foi eleito em duas oportunidades não consecutivas como presidente da Federação Europeia de Geólogos, foi vogal, secretário-geral e vice-presidente 1º do Ilustre Colégio Oficial de Geólogos, onde foi escolhido presidente em 2016, e membro fundador e secretário da ONG Geólogos do Mundo. Em 2017, foi eleito vice-presidente da União Profissional.

Autor ou coautor de 14 livros, mais de 105 artigos em revistas especializadas e encarregado de brindar mais de 160 palestras em congressos e seminários, acabou de apresentar seu último trabalho de divulgação, “Para que serve a geologia?”, escrito em colaboração com sua filha, Macarena, e editado conjuntamente pelo Instituto Geológico e Mineiro da Espanha e a editora La Catarata.

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