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Infraestruturas para o saneamento de águas no Brasil: situação e perspectivas para o setor

Com o depoimento de Manoel Renato Machado, membro da Secretaria Especial do Programa de Parcerias e Investimentos (SPPI), e a colaboração do Escritório Econômico e Comercial da Espanha em Brasília abordaremos a situação e as perspectivas para o setor, que se encontra em um processo de abertura à participação privada impulsionado por um novo marco regulatório, que aproxima ao objetivo de alcançar a universalização do serviço em 2033 e que foi estabelecido no Plano Nacional de Saneamento Básico.

Apesar de ser um dos maiores países do mundo e de contar com grandes reservas de água, o índice de abastecimento em todo o território brasileiro é de 83,6%, o de esgotos sanitários se localiza em 53,2% e somente 46% das águas residuais são tratadas. Em parte, a explicação para esses números pode ser encontrada na própria peculiaridade da região, como explicam no Escritório Econômico e Comercial da Espanha em Brasília. “O panorama geral dos recursos hídricos do país é caracterizado pelo desequilíbrio na concentração de água, contando o norte com 68,5% do total. Além disso, a maior parte da população está concentrada nas grandes cidades do Sul e do Sudeste, as áreas mais desenvolvidas economicamente, e também as que apresentam menor índice de disponibilidade de água. Portanto, essas regiões estão sujeitas a um forte estresse hídrico que, com frequência, acarreta cortes de fornecimento em metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro ou o Distrito Federal”, relatam.

Um sistema heterogêneo

Os lares desatendidos se concentram nas periferias das grandes cidades, nos assentamentos urbanos irregulares e nas áreas rurais, onde só 28% têm acesso à rede geral. “Merece destaque a situação específica do Nordeste”, acrescenta Manoel Renato Machado, membro da SPPI, “uma região semiárida, caracterizada pela irregularidade das precipitações, onde predomina a intermitência dos rios, com vazão reduzida durante longos períodos do ano, a consequente limitação e irregularidade no acesso à água para usos prioritários como o abastecimento humano”. Para mitigar o problema, são implementadas iniciativas como o transvasamento do rio São Francisco para um conjunto de canais artificiais, que beneficiam mais de 390 municípios onde moram 12 milhões de pessoas, ou a edificação de grandes infraestruturas hídricas.

O transvasamento do rio São Francisco, no Nordeste da região, para um conjunto de ca-nais artificiais ,beneficia a mais de 390 muni-cípios onde moram 12 milhões de pessoas que sofrem o impacto das habituais secas.

Nas grandes urbes brasileiras, é possível contar com um ótimo abastecimento de água, mas há um déficit nos serviços de coleta e tratamento de águas residuais. “Os maiores problemas dessas cidades estão vinculados a ocupações desorganizadas, comunidades periurbanas, favelas e, especialmente, ocupações no fundo do vale. É lá onde se concentra a falta de esgotos”, explica Manoel Renato. “Nesses locais há muitas dificuldades para atender à população, porque a infraestrutura pertinente é muito cara e existem dificuldades relacionadas à regulação do terreno e à falta de espaço para a implementação das soluções”.

Nas áreas rurais, a situação é ainda mais precária, já que apenas 28% dos lares conta com fornecimento público de água. “É nas regiões menos povoadas que se concentram as soluções individuais, como os poços e os pequenos mananciais para o abastecimento, e as fossas sépticas para o tratamento das águas residuais”, assevera Machado.

Enchentes e secas

Entre 2003 e 2018, 48,8% dos municípios brasileiros decretou pelo menos uma vez o estado de emergência devido à cheia de água. Para enfrentar as duas situações críticas, Manoel Renato divide as ações em duas linhas principais: preventivas e de mitigação. “Na prevenção dos desastres foram realizados investimentos, majoritariamente públicos, em grandes infraestruturas, capacitação técnica, aquisição de equipamento para as defesas civis (federais, estatais e municipais) e sistemas de vigilância do clima, para predizer fenômenos extremos. Entre a rede de infraestrutura é preciso salientar a construção de represas e barragens, que podem agir tanto no amortecimento de enchentes, em períodos de chuvas intensas, quanto na acumulação de água para consumo em períodos de seca”, assegura.

A aridez climática é especialmente robusta no Nordeste da região onde, como menciona o especialista, “há grande número de barragens, represas e depósitos de água adequados, mas que carecem de um programa de operação e manutenção eficiente e, principalmente, de mecanismos de integração que permitam a gestão mais flexível”. Nesta conjuntura se integra um dos grandes erros da gestão de recursos: o alto nível de vazamentos de água que, segundo o último estudo de Trata Brasil, de 2019, aponta que para cada 100 litros de água coletada e tratada para distribuição, 38 são perdidos por vazamentos, falhas de leitura, roubos e outros motivos. “De fato, as taxas de perda nos sistemas de fornecimento são muito altas”, confirma Machado. “Em 2018, segundo os dados do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS), 38,5% da água tratada se perdeu nos sistemas de distribuição pública. Medidas como a aplicação de macro e micro medições, os programas de vigilância, a setorização da rede e a reinscrição dos usuários pode ser, entre outras, providências importantes para combater essas perdas. Mas para aplicá-las de maneira regular e atempada, é preciso melhorar a gestão dos serviços e incrementar o investimento”.

Abertura à participação privada

Até agora, a prestação de serviços de saneamento no Brasil ficava, principalmente, nas mãos de governos locais. As companhias estaduais abastecem 71% dos municípios, enquanto as municipais atendem ao 24%. O resto está em mãos de empresas privadas que, com este novo marco regulatório aprovado no passado mês de julho, presenciariam um aumento em sua participação, graças a um processo de abertura nos investimentos. “Com este novo contexto jurídico, espera-se uma mudança significativa na prestação de serviços a partir de agora”, afirma Machado. Esta lei atrairá grandes investidores e aproximará a região ao objetivo de universalização do serviço.

“O clima favorável, promovido pelo novo enquadramento legal e pelo Programa de Parcerias em Investimentos (PPI), convida o setor privado a participar em oportunidades como o tratamento de águas residuais ou a aplicação de novas tecnologias, evidenciando que o Brasil é um cenário interessante para empresas com interesse em iniciar ou aprofundar seu processo de internacionalização. Por outro lado, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), através da Secretaria Nacional de Saneamento (SNS), conta com vários programas que visam melhorar a qualidade dos serviços urbanos. Os promotores desses projetos são as prefeituras ou as câmaras municipais dos municípios que, com o auxílio de financiamento e empréstimos de origem estatal e multilateral, convocam empresas privadas para realizar os serviços licitados”, apontam do Escritório Econômico e Comercial da Espanha em Brasília. Eles estimam o incremento do investimento e maior concorrência no mercado, questão que derivará em uma melhor qualidade do serviço prestado. “O objetivo principal da legislação é estruturar um ambiente de segurança jurídica, competitividade e sustentabilidade, com o fim de atrair novos investimentos. Além disso, permite celebrar contratos de serviços em bloco, agrupando cidades para que os municípios vizinhos possam integrar um mesmo processo de licitação. A aglutinação e a regionalização tornará esses blocos mais atraentes para o investimento privado”, concluem. Para o restante do ano estão previstos seis leilões, cujo valor totaliza 45.900 milhões de reais (perto de 7.200 milhões de euros).

Desafios e perspectivas do setor

O principal objetivo das instituições brasileiras, marcado pelo Plano Nacional de Saneamento Básico, é alcançar a universalização do serviço no prazo de treze anos. Apesar de que o novo marco regulatório aponta uma via para a entrada de investimento, Manoel Renato Machado afirma que o êxito da estratégia depende, em grande medida, da regionalização dos serviços para atender à população mais pobre, mediante a aplicação de subsídios fornecidos pelo setor público. “Na gestão dos recursos hídricos, é necessário melhorar a articulação institucional entre as diferentes esferas de governo e a integração das diversas políticas públicas, como a Política Nacional de Recursos Hídricos, a Política Nacional de Saneamento, a Política Nacional de Meio Ambiente e as Políticas de Desenvolvimento Urbano, entre outras”, assegura.

“Quanto à articulação institucional, é essencial para o uso das infraestruturas hidráulicas, construídas para o fornecimento de água em regiões com escassez de água, como o Sistema Hídrico PISF (Projeto de Integração do Rio São Francisco), cujo funcionamento depende do compromisso das diferentes entidades federadas (a União e os quatro Estados que recebem suas águas) para a operação e manutenção da empresa. Sem essa coordenação, existe o risco de que a empresa não cumpra sua função na sociedade. Para superar esse desafio, seria necessário o fortalecimento das instituições responsáveis pelo setor de recursos hídricos nas diferentes esferas de governo”, anuncia.

Por sua vez, no Escritório Econômico e Comercial apontam a que as companhias setoriais “procurem continuamente por novos métodos eficientes do ponto de vista de custos e soluções tecnológicas novas”, porque “produtos e serviços voltados à incorporação de tecnologia avançada, sem comprometer o investimento em capital, constituem uma interessante oportunidade de mercado”, além da necessidade de procurar por linhas de soluções sustentáveis, como a reciclagem de águas, para atender, por exemplo, à demanda industrial”, concluem.

Colaboraram neste artigo…

Manoel RenatoManoel Renato Machado Filho, diretor do Programa da Secretaria de Fomento e Apoio à Colaboração com Entes Federativos da Secretaria Especial do Programa de Parcerias e Investimentos. Mestrado em Saúde Pública pela universidade de São Paulo (USP), com estudos de pós-graduação em Engenharia de Saúde Pública e formado em Geologia pela Universidade de Brasília.

Trajetória:  Membro do curso de Especialização em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Ministério da Fazenda. Funcionário público federal desde 1990. Geólogo e engenheiro sanitário na Fundação Nacional de Saúde e Ministérios da Saúde, Cidades e Planejamento, ocupando cargos como Diretor de Infraestrutura Social e Urbana (MPDG), diretor do Departamento de Desenvolvimento e Cooperação Técnica. Subdiretor de engenharia em Saúde Pública (FUNASA); gerente nacional de projetos do Cartão Nacional de Saúde (MS); coordenador geral de projetos de saneamento e edifícios da saúde (FUNASA). Membro do Conselho Curador de FGTS, entre 2016 e 2018, em representação do MPDG.

Escritório Econômico e Comercial da Espanha em Brasília (Secretaria de Estado de Comércio do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo).

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