Cristina Leon Vera | 21/10/2025
O Sol, motor energético do nosso sistema planetário, nos fornece luz e calor, mas também gera fenômenos de grande intensidade que impactam diretamente a vida na Terra. Estudar esses eventos é crucial, pois eles podem representar um risco para as redes elétricas e os satélites, interrompendo tanto os fornecimentos quanto as comunicações.
Quando falamos de fenômenos solares extremos, nos referimos a eventos energéticos de grande magnitude que ocorrem na atmosfera solar. Eles se originam pela dinâmica do campo magnético do Sol, que acumula energia devido aos movimentos convectivos do plasma em seu interior. Quando essa energia é liberada de forma repentina, produzem-se erupções e ejeções que, ao se dirigirem ao nosso planeta, interagem com a magnetosfera e desencadeiam tempestades geomagnéticas, com claras consequências para a Terra.
Essas tempestades induzem correntes geomagneticamente induzidas – GIC, na sigla em inglês – nas linhas de transmissão terrestre, que podem sobrecarregar transformadores e subestações. Além disso, as erupções solares liberam radiação que pode perturbar a ionosfera terrestre, alterando as telecomunicações. Isso também afeta os sistemas de posicionamento global, porque dependem da transmissão precisa de sinais entre satélites e receptores na Terra.
Efeitos nas redes elétricas
Durante tempestades geomagnéticas intensas, as mudanças aceleradas no campo magnético induzem campos elétricos transitórios na superfície terrestre, que geram as GIC. Quando essas correntes fluem através de transformadores de potência, podem provocar uma saturação parcial dos equipamentos, o que se traduz em perdas de eficiência, geração de harmônicos, aquecimento excessivo e, em alguns casos, danos no isolamento. Em situações extremas, os transformadores podem até incendiar.
Um exemplo paradigmático ocorreu em Hydro-Québec, Canadá, em março de 1989, quando uma tempestade geomagnética repentina provocou GIC que saturaram os transformadores, provocando um apagão massivo de 9 horas. Esse evento tem sido utilizado como base para a modelagem de riscos e a formulação de planos de resiliência na atualidade.
O estudo Global transformer overheating from geomagnetic storms, elaborado por especialistas da Alliance to Feed the Earth in Disasters (ALLFED), estima os riscos globais de superaquecimento de transformadores de alta tensão em caso de tempestades solares extremas. Esse relatório sugere que um evento solar de altíssima intensidade poderia causar interrupções elétricas prolongadas (meses ou até anos) em certas regiões, especialmente naquelas que não contam com capacidade de reserva de transformadores.
Para mitigar os riscos e reduzir a exposição às GIC, diversos estudos apontam a importância de um design robusto dos transformadores, da implementação de sistemas de controle e proteção avançados e da instalação de dispositivos de bloqueio de corrente contínua.
Consequências para telecomunicações e sistemas de geolocalização
As tempestades solares alteram a densidade eletrônica da ionosfera. Com isso, mudanças bruscas na ionização podem degradar ou interromper as comunicações em alta frequência – aviação, marítimo – segundo o Observatório de Dinâmica Solar da NASA,ou impactar sobre as ondas de rádio, resultando em apagões, ruído ou perdas de sinal.
No caso do sistema GPS, o sinal emitido pelos satélites atravessa a ionosfera antes de chegar à superfície terrestre. As variações de densidade eletrônica fazem com que ocorram atrasos na propagação dos sinais, o que reduz a precisão da geolocalização. Durante tempestades solares, esses atrasos podem gerar erros de localização de vários metros ou mais, dependendo da intensidade do fenômeno. Em certos casos, as ejeções de radiação solar geram emissões de rádio que podem causar falhas ou interrupções nos receptores GPS.
Outros sistemas afetados são os satélites, que sofrem danos em seus componentes eletrônicos, sistemas de orientação e até painéis solares devido à maior exposição à radiação solar. Isso representa uma ameaça significativa, já que muitas infraestruturas críticas utilizam GPS não apenas para localização, mas também para sincronização temporal. A perda ou distorção do tempo de referência pode provocar erros de coordenação e falhas em sistemas de segurança.
Em maio de 2024, ocorreu uma tempestade geomagnética denominada ‘Gannon’. Uma série de erupções solares de alta potência gerou uma tempestade que atingiu a Terra. Nesse evento, nos Estados Unidos, registraram-se interrupções dos sinais GPS, degradação da precisão na localização e problemas de estabilidade do sinal devido aos efeitos na ionosfera. Embora não tenham sido relatados apagões massivos nem catástrofes elétricas de grande escala, foram detectadas anomalias e alertas de risco para transformadores e redes elétricas. Esse fenômeno foi considerado um dos mais intensos das últimas duas décadas, fornecendo informações valiosas para a NASA.
Lições aprendidas
A análise desses eventos por parte de diversas instituições, como o Centro de Previsão do Clima Espacial da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos, revela que nem todos os eventos severos provocam apagões, mas muitos deles geram falhas menores ou interrupções temporárias. Esses eventos, em conjunto, representam uma ameaça significativa devido aos altos custos econômicos e aos impactos operacionais. Além disso, observou-se que os setores que dependem do GPS de alta precisão são particularmente vulneráveis, mesmo diante de pequenas perturbações.
No entanto, verificou-se que a infraestrutura elétrica crítica de muitos países está suficientemente protegida, embora, em eventos extremos, os danos e as consequências possam ser severos e duradouros. Nesse contexto, a detecção precoce e os alertas espaciais desempenham um papel fundamental: operadores de satélites, sistemas GPS, companhias aéreas e redes elétricas podem adotar medidas preventivas se souberem que um evento potente está a caminho.
Em conclusão, os fenômenos solares extremos representam uma ameaça crescente para uma sociedade cada vez mais dependente das infraestruturas elétricas e tecnológicas para comunicações e geolocalização. Embora a magnetosfera terrestre atue como um escudo natural, tempestades solares intensas podem causar danos significativos.
O investimento em sistemas de detecção precoce, no design de redes elétricas mais resilientes e na proteção de infraestruturas críticas é essencial para mitigar os efeitos desses eventos cósmicos inevitáveis. Para isso, é necessária uma colaboração estreita entre agências espaciais, empresas tecnológicas e governos, com o objetivo comum de desenvolver e implementar estratégias de proteção eficazes. Em paralelo, a conscientização social também é importante, já que a crescente dependência tecnológica torna a preparação para esses fenômenos uma responsabilidade compartilhada.
