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Dessalinização de água: inovação para garantir o abastecimento

O aproveitamento hídrico é um dos principais cavalos-de-batalha de produtores e instituições para fazer frente a fatores que causam escassez de água como a mudança climática, a desertificação e o crescimento da população. A instalação de plantas dessalinizadoras supõe, hoje em dia, uma possibilidade real de valorização deste recurso natural a partir da água do mar e salobra. Envolvida em uma profunda transição tecnológica, a indústria da dessalinização procura soluções mais eficazes e sustentáveis para garantir a demanda da população, da indústria e da comunidade agrícola. Baltasar Peñate, chefe do Departamento de Água do Instituto Tecnológico das Canárias (ITC), fala dos desafios e oportunidades que o setor enfrenta.

O correto fornecimento de água é um fator fundamental para garantir a saúde e o bem-estar públicos, manter a atividade diária e impulsionar a economia de uma região. Por isso, o planejamento hídrico tem que ser eficaz e enfrentar os numerosos desafios que a conjuntura atual impõe. Uma das técnicas mais promissoras na gestão desse recurso básico, graças à inovação e à sustentabilidade, é a dessalinização da água, um processo industrial que usa como matéria-prima uma fonte de água salgada da qual extrai o sal. “Isso é possível hoje, com bastante eficiência, e sempre visando obter água destinada ao consumo da população ou ao uso turístico, industrial e agrícola. É uma indústria bastante importante no âmbito nacional, já que várias zonas espanholas, sobretudo da costa mediterrânea, Canárias e Baleares, não podem cobrir suas necessidades hídricas com recursos convencionais e recorrem à dessalinização para cobrir essa demanda”, afirma Baltasar Peñate, chefe do Departamento de Água do Instituto Tecnológico das Canárias (ITC), empresa pública do Governo das Canárias adscrita ao Conselho de Economia, Conhecimento e Emprego.

Esta solução é também muito relevante em escala global. Atualmente, “existe uma capacidade de produção de 100 milhões de metros cúbicos por dia no mundo, de tal maneira que muitos governos introduzem a dessalinização em seu planejamento hidrológico”, afirma o especialista. Há países na vanguarda da capacidade instalada, como Arábia Saudita, Espanha, Israel, Estados Unidos ou Austrália, e podem produzir dezenas de milhares de metros cúbicos ao dia. Outros, como Marrocos, África do Sul ou México estão começando a implantar suas primeiras dessalinizadoras em larga escala. “Países em via de desenvolvimento estão recorrendo à cooperação internacional para poder cobrir sua demanda de água por meio da dessalinização. No ITC, por exemplo, transferimos conhecimento à África Ocidental por intermédio de fundos de cooperação internacional ou projetos europeus para introduzir a dessalinização em pequena escala em zonas isoladas”, assegura.

 Tecnologias dominantes e emergentes

O custo razoável de implantação e exploração converteu a dessalinização em um meio para enfrentar a escassez de água e equilibrar o consumo estimado. “Dependendo de que métodos se utilizem, estes custos são mais ou menos assumíveis pelo país. Hoje em dia a tecnologia mais explorada internacionalmente é a osmose inversa”, afirma Peñate, referindo-se à técnica de filtragem por membrana semipermeável, que está “desbancando totalmente as tecnologias prioritárias do século passado, como a destilação”.

Os principais pontos fortes da osmose inversa são:

  • Mínimo consumo de energia e consequente economia de custos;
  • Tecnologia estendida que facilita encontrar materiais e fornecimentos em qualquer ecossistema do planeta;
  • Infraestrutura altamente modular, permite obter água dessalgada com baixo risco de rompimentos e mínima intervenção humana.

Sua alta confiabilidade e eficiência a converteram na tecnologia mais estendida em escala internacional. Por isso muitos dos esforços dos principais centros de investigação estão centrados em melhorar este processo. O ITC assinala dois objetivos atuais trabalhados em sua Living Lab em dessalinização: a eficiência energética e a diminuição da poluição das membranas, importante problema para o gerenciamento de plantas dessalinizadoras que se veem obrigadas periodicamente a deter a atividade para executar protocolos de limpeza, impactando os custos de exploração. “Também estamos trabalhando em projetos de valorização de salmoura, para obter subprodutos de valor agregado e diminuir seu impacto no ecossistema marinho”, acrescenta.

O movimento do setor aponta para a consolidação desta tecnologia inversa, ainda que também haja soluções híbridas. “Uma modificação da osmose para diluir águas de altas concentrações, ou alguma solução baseada em membranas, mas com modificação das eletrodiálises reversíveis. A lista de emergentes, na verdade, não é muito grande, e muitas são interrompidas nos primeiros testes. Porém, há soluções não tão emergentes, com propostas no mercado, como a destilação por membrana, já utilizada em pequena escala e vinculada a fontes de calor. Embora ligada desde o início à energia solar, não apresenta eficiência elevada e tem custos de implementação bastante altos”, reconhece.

 Usos e desafios da indústria dessalinizadora

A água dessalgada está sendo introduzida em quase todo uso na atividade diária, do recreativo ao industrial. “A Espanha é o país que mais a utiliza por hectare regado em agricultura. Isso significa que seu potencial de aproveitamento é altíssimo”, afirma Baltasar Peñate, e acrescenta que os pontos fracos de seu desenvolvimento estão no investimento necessário e na matéria-prima. Os custos da energia causam flutuações nos preços da água dessalgada. “O componente público é importantíssimo aqui, já que há que se garantir fornecimento em qualidade, quantidade e preço”, assegura.

Os desafios que enfrentam as empresas do setor estão claramente alinhados com os objetivos perseguidos por suas linhas de investigação e desenvolvimento:

  • Reduzir a pegada de carbono. “Trabalhamos para que o processo seja mais eficiente. Aumentar a conversão, isto é, aumentar a taxa de água dessalgada por metro cúbico de água de mar ou salobra que produzimos”. Neste desafio também é fundamental a utilização de energias renováveis para a exploração de plantas dessalinizadoras.
  • Impacto ambiental. “A dessalinização gera um resíduo chamado salmoura, e sua alta salinidade não é de fácil gerenciamento. Hoje em dia não é fácil de reutilizar, nem recuperar materiais dela, embora seja algo que está sendo investigado”. Até o momento, a salmoura é devolvida ao mar ou a um meio físico que permita sua absorção, o que gera um impacto no meio em forma de incremento de salinidade ou pH, mudança de temperatura ou alteração das condições da biologia marinha.
  • A economia circular. Trata-se de tornar esse processo mais sustentável, se possível, reduzindo as matérias-primas e reutilizando os subprodutos gerados pelo processo.

 Com estes objetivos, o ITC criou o ecossistema DESAL+ Living Lab para hospedar as mais recentes investigações em matéria de dessalinização. “Oferecemos um espaço físico aberto à experimentação, com instalações e serviços de abastecimento de água de mar, vertido de salmoura, dessalinizadoras em pequena escala e também um espaço virtual para trabalhar a partir de um enfoque multidisciplinar”, conta Peñate. Dentro desta plataforma, incluem-se as instalações de Poço Esquerdo, em Grande Canaria, “uma área experimental compartilhada com outros projetos (de energia renovável, biotecnologia, engenharia mecânica, etc.). Neste espaço procuramos desenvolver soluções de dessalinização de pequena escala e melhorias que possam ser transferidas para o tecido empresarial. Por nossas instalações, nos quase 30 anos de vida que tem o ITC, têm algo em torno de 15 a 20 soluções diferentes de dessalinização, utilizando em algumas delas fontes renováveis. Hoje em dia estamos nos concentrando naquelas melhorias que podem resultar rapidamente na otimização dos processos”.

Neste contexto, destaca-se um projeto financiado pelo Cabildo de Grande Canaria chamado DESAL+- STARTUPS. “Isso nos permitiu financiar a compra de duas soluções emergentes que poderemos testar aqui em nossas instalações de posição. Este concurso baseado em contratos públicos pré-comerciais permitiu-nos unir forças com duas fundações espanholas (Tecnalia e Eurecat), e com elas vamos trabalhar nos primeiros pilotos de duas soluções emergentes: uma baseada na formação em desionização capacitiva (CDI por sua sigla em inglês) e o outro em um híbrido de osmose reversa e essa desionização”, conclui.

 Colaborou neste artigo:

Baltasar PeñateDoutor Engenheiro Industrial pela Universidade de Sevilla (2010), desde o ano 2000 realiza sua atividade profissional como chefe de Departamento de Água e pesquisador no campo do tratamento das águas no Instituto Tecnológico de Canárias (ITC). Sua especialidade é a dessalinização de águas, mais especificamente a eletrodiálise, a osmose inversa, bem como a combinação com energias renováveis. Sua trajetória profissional resume-se na liderança e coordenação de projetos e contratos de I+D+i europeus, nacionais e regionais relacionados com a dessalinização, especialmente com uso de energias renováveis.

Começou sua carreira como técnico de projetos na área das tecnologias de tratamento de águas. Na coordenação e participação em projetos de I+D+i realizou, entre muitas tarefas, o gerenciamento técnico-financeiro, coordenação de tarefas científicas e participação técnica em projetos regionais, europeus e de cooperação ao desenvolvimento (V, VI, VII Programas Marco da Comissão Europeia, Horizon 2020, MEDA, INCOMED, DGTREN, INTERREG, AZAHAR, PLANO NACIONAL, etc.) relacionados com o fornecimento de água potável (dessalinização e bombeamento) e energia a zonas isoladas usando energias renováveis; o gerenciamento sustentável, o tratamento e aproveitamento produtivo das águas residuais, e, finalmente, projetos destinados à avaliação e proteção da qualidade das águas.

Conta com alta experiência na execução de projetos de cooperação internacional: tem participado ativamente em tarefas de governo, acesso à água usando tecnologias de capacitação e transferência de conhecimento em numerosos países (Marrocos, Mauritânia, Senegal, Cabo Verde, Tunísia, Egito, Jordânia, Chile, Peru). Atualmente é coordenador técnico da Plataforma DESAL+ LIVING LAB.

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